
Uma piada com mensagem: Djokovic mira João Fonseca como pupilo “caro”
Em um Media Day do US Open com clima leve, Novak Djokovic soltou uma daquelas frases que fazem barulho no circuito: “Meu plano quando eu me aposentar é treinar o Fonseca. Vai ser muito caro para ele, então que se prepare”. Disse sorrindo, mas deixou no ar algo maior do que uma piada. Vindo do dono de 24 títulos de Grand Slam, elogio e provocação têm peso.
O alvo da brincadeira é João Fonseca, 19 anos, carioca, um dos nomes mais promissores do tênis brasileiro recente. Djokovic já elogiou o garoto outras vezes, destacando o estilo agressivo, a mão pesada no forehand e a coragem para bater de frente com jogadores mais rodados. Ao mesmo tempo, o sérvio costuma lembrar que a transição do juvenil para o profissional cobra paciência, corpo forte e muito jogo grande nas costas.
A cena aconteceu enquanto Djokovic seguia firme no US Open. Na estreia, passou sem sustos em sets diretos diante do americano Learner Tien, também de 19 anos. A diferença? O sérvio tem o dobro da idade do rival dessa primeira rodada. O contraste geracional ajuda a explicar por que o comentário sobre Fonseca pegou: é a imagem do vanguardista que olha para a próxima safra e cogita, mesmo em tom descontraído, moldar um sucessor.
Faz sentido imaginar Djokovic como treinador no futuro. Ao longo da carreira, ele esteve cercado por técnicos de ponta e mentes vencedoras. Trabalhou por anos com Marian Vajda, teve passagens com Boris Becker e Andre Agassi, e contou com Goran Ivanisevic até 2024. Aprendeu com cada fase: ajustes finos na devolução, transições rumo à rede, variação de velocidade e, principalmente, como competir melhor nos pontos que decidem partidas.
Se algum dia isso virar um projeto real com Fonseca, o pacote é claro: leitura tática afiada, disciplina quase obsessiva, gestão de calendário milimétrica e um foco enorme no detalhe — do alongamento ao café da manhã. Não por acaso, Djokovic fala em “paciência” quando o assunto é o brasileiro. Subir degraus no ranking é uma maratona. O top 100 costuma chegar para quem sustenta nível semana após semana, em quadras e países diferentes, sob pressão e cansaço.
Quem é João Fonseca e por que a fala de Djokovic importa
Nascido no Rio de Janeiro, Fonseca virou manchete ao conquistar o US Open juvenil em 2023. O título não o transforma, sozinho, em fenômeno, mas confirmou o que olheiros já apontavam: potência no golpe de direita, backhand sólido de duas mãos, boa leitura de bola e uma atitude competitiva rara para a idade. A partir dali, passou a ganhar convites, rodou mais no profissional e encurtou o tempo de aprendizado enfrentando veteranos calejados.
O Brasil, claro, observa de perto. Depois do auge de Gustavo Kuerten, tricampeão de Roland Garros, vieram bons capítulos com Bruno Soares e Marcelo Melo nas duplas e, mais recentemente, a ascensão de Bia Haddad Maia. Falta, porém, um nome masculino para puxar o país de volta aos grandes palcos de simples. Fonseca carrega essa expectativa — injusta se for imediata, mas natural para quem já mostrou talento e personalidade.
O aval de Djokovic joga luz internacional no projeto. Quando um multicampeão usa o microfone para falar de um adolescente com esse entusiasmo, empresários, patrocinadores e diretores de torneios prestam atenção. Isso pode virar mais convites para chaves principais, acesso a estruturas melhores de treino e exposição midiática — o tipo de empurrão que ajuda a encurtar caminhos, desde que o jogador responda dentro de quadra.
A fala do sérvio também reacende um tema: o impacto de ex-número 1 como treinadores. O circuito recente registra casos de sucesso. Ivan Lendl foi peça-chave nas viradas de chave de Andy Murray. Juan Carlos Ferrero pavimentou o salto de Carlos Alcaraz, polindo decisões nos pontos grandes e organizando o plano de carreira. Boris Becker ajudou o próprio Djokovic a ser mais agressivo em finais e a encurtar pontos. Quando um campeão assume o banco, ele leva repertório tático e mental que não se aprende em manual.
Claro, tudo isso tem custo, e o próprio Djokovic brincou com isso. O tênis de alto rendimento é uma operação cara: técnico, preparador físico, fisioterapeuta, analista de dados, viagens, hospedagem, impostos. Não há número mágico, mas uma temporada inteira com equipe completa consome cifras relevantes. O retorno vem com vitórias consistentes, patrocínios, bônus e presença em rodadas avançadas de ATPs e Slams.
E onde Fonseca está nessa equação? Ainda em fase de construção. O salto de qualidade costuma vir quando três fatores se alinham: mais força e resistência para sustentar ralis longos; saque confiável para salvar break-points e abrir caminho com pontos curtos; e tomada de decisão sob pressão, escolhendo bem quando acelerar e quando segurar a mão. É aí que a tal “paciência” de Djokovic entra: tempo de quadra, derrota que ensina, vitória sofrida que amadurece.
No curto prazo, o brasileiro mira consolidar ranking, emendar semanas de desempenho, ganhar casca em quadras rápidas e saibro, e ajustar o calendário para evitar buracos longos sem jogos. Estar bem em Challenger e morder vitórias pontuais em ATPs é o roteiro de tantos que romperam a barreira do top 100.
Do lado de Djokovic, nada indica aposentadoria iminente. Ele segue competitivo, coleciona recordes e continua perigoso em qualquer chave. A estreia tranquila no US Open apenas reforça a sensação de que, mesmo aos 38, ele ainda dita o ritmo dos mais novos. Ao mesmo tempo, a cabeça de quem venceu tudo costuma flertar com o legado: como devolver ao esporte o que o esporte deu. Virar técnico — de Fonseca ou de qualquer outra promessa — seria um caminho natural.
A resposta de Fonseca, por sua vez, mostrou leveza. Perguntado sobre um “plano B” fora do tênis, ele disse que continuaria no esporte de algum jeito e revelou ser torcedor do Flamengo. O recado implícito: está confortável sob os holofotes, não perde a identidade e lida bem com a curiosidade que vem do rótulo de promessa.
Entre a piada e a possibilidade, fica a imagem: um multicampeão aberto a guiar um jovem que desperta expectativas num país carente de um novo protagonista em simples. Se algum dia eles sentarem lado a lado no banco, a conversa do US Open vai ganhar outro significado. Até lá, Djokovic segue acumulando vitórias e Fonseca segue acumulando experiência — combinação que, por si só, já movimenta o tênis.
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