A inflação oficial do Brasil desacelerou em junho de 2025, mas ainda está longe do alvo do Banco Central do Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na quinta-feira, 10 de julho, que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu apenas 0,24% no mês — uma leve queda em relação aos 0,26% de maio. O que chamou atenção? Os alimentos. Pela segunda vez em dois meses, os preços dos produtos de mercearia caíram, puxando o índice para baixo. Ovo, arroz e frutas foram os grandes responsáveis. Mas aqui está a contradição: mesmo com essa redução, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 5,35%, bem acima do teto de 4,5% permitido pela meta do BC. E isso tem consequências reais — e caras — para todos nós.
Alimentos caem, mas não o suficiente
O grupo Alimentos e Bebidas foi o único a registrar variação negativa em junho: -0,18%. Dentro dele, a alimentação no domicílio despencou 0,43%, uma virada impressionante depois de ter subido 0,02% em maio. O que mudou? O mercado respondeu. O ovo de galinha caiu 6,58% — o maior recuo desde 2020. O arroz perdeu 3,23%, e as frutas caíram 2,22%. Hortaliças e verduras também tiveram queda de 3,01%, enquanto cereais e leguminosas recuaram 2,71%. É raro ver tantos itens essenciais caindo ao mesmo tempo. Mas isso não significa que todos estão mais baratos. Carnes subiram 0,19%, leites e derivados, 0,42%. Açúcares e derivados dispararam 0,66%. O cenário é desigual, e isso afeta famílias de baixa renda de forma desproporcional.Por que o BC precisa explicar publicamente
Aqui está o ponto crítico: o IPCA acumulado em 12 meses já está acima da meta há mais de nove meses. Desde setembro de 2024, o índice não voltou ao limite de 4,5%. Em abril, chegou a 5,53%, o pico mais alto em dois anos. E a regra é clara: se a inflação desvia da meta por seis meses consecutivos, o Banco Central precisa publicar uma carta aberta ao presidente do Conselho Monetário Nacional. Foi exatamente isso que aconteceu. Às 18h do dia 10 de julho, a autarquia divulgou o documento explicando que a alta persistente dos preços — especialmente em energia e serviços —, somada à volatilidade nos custos agrícolas e ao câmbio instável, impediram o retorno à meta. A carta não é só um ato burocrático. É um alerta público. E isso gera desconfiança no mercado.Outros grupos: estabilidade, mas com pressões escondidas
Enquanto alimentos caíam, outros grupos mantiveram a pressão. Habitação subiu 0,91% em junho, liderado pela energia elétrica residencial, que avançou 3,04% — um impacto de 0,12 ponto percentual no IPCA. É o maior peso individual de qualquer item no índice. Transportes ficaram estáveis, mas os preços dos combustíveis ainda oscilam com o petróleo internacional. Educação e comunicação não tiveram grandes variações, mas isso não significa que estão baratos. A inflação de serviços — como planos de internet, mensalidades escolares e saúde — ainda cresce acima da média. O que o IBGE não mostra diretamente é que, mesmo com alimentos mais baratos, o custo de vida continua subindo para quem não tem renda fixa ou poupança.
Julho já começou com nova pressão
Ainda em julho, o IBGE divulgou que o IPCA voltou a subir: 0,26%. E a culpa? Mais uma vez, a conta de luz. A energia residencial subiu 3,04% em julho também — o segundo mês consecutivo com alta expressiva. Os alimentos continuaram caindo, mas não conseguiram compensar. O acumulado em 12 meses caiu para 5,23%, mas ainda está longe do ideal. O que isso significa? Que a inflação não está sendo controlada por um único fator. Ela é um efeito de múltiplas causas: clima, câmbio, tarifas, salários, política monetária. E nenhuma delas está sendo resolvida de forma rápida ou eficaz.O que os dados não contam: o impacto nas famílias
Por trás dos números, há vidas. Uma família que gasta 40% da renda com alimentação viu o orçamento aliviado em junho — mas só por um mês. Em julho, a conta de luz subiu, e o gás também. A inflação não é só um índice. É o que você deixa de comprar. É o filho que não vai ao cinema. É o remédio que é adiado. O IBGE e o BC medem preços. Mas não medem a fome que a inflação causa. O que o governo precisa entender é que, mesmo quando os preços dos alimentos caem, isso não é um sinal de recuperação. É apenas um alívio temporário. A estrutura da economia ainda é frágil.
Qual é o caminho agora?
O BC diz que vai manter os juros altos — a Selic ainda está em 10,5% — para conter a demanda. Mas isso afeta empréstimos, investimentos e empregos. Ao mesmo tempo, o governo não consegue controlar os custos da energia, nem reduzir os subsídios distorcidos que distorcem o mercado de alimentos. A solução não está só na política monetária. Precisa de logística, investimento em armazenamento, redução de perdas pós-colheita, e, acima de tudo, mais transparência. A carta aberta do BC é um passo. Mas não é o fim. É o começo de um debate que o país precisa ter — e rápido.Frequently Asked Questions
Por que a inflação ainda está acima da meta mesmo com alimentos mais baratos?
Porque alimentos representam apenas parte da cesta do IPCA. Em junho, mesmo com queda de 0,18% nesse grupo, outros itens como energia elétrica (alta de 3,04%), leites e derivados (+0,42%) e açúcares (+0,66%) puxaram o índice para cima. Além disso, serviços como saúde e educação seguem subindo de forma estrutural, e o câmbio afeta preços de importados. A inflação é multifatorial — e o alívio nos alimentos não compensa os aumentos em outros setores.
O que acontece se a inflação continuar acima de 4,5%?
Se a inflação ultrapassar o teto por mais de seis meses consecutivos, o Banco Central é obrigado a justificar publicamente o descumprimento. Isso gera perda de credibilidade e pode levar a uma desvalorização do real, aumento dos juros futuros e redução de investimentos. O governo também pode ser pressionado a mudar a meta ou a equipe da diretoria do BC. Em 2025, já é o terceiro ano consecutivo de descumprimento, o que é histórico e preocupante.
Como a queda nos preços dos alimentos afeta a renda das famílias?
Para famílias de baixa renda, que gastam até 40% da renda com alimentação, a queda de preços como a do ovo (-6,58%) e do arroz (-3,23%) representa um alívio imediato. Mas esse efeito é temporário. Se a energia ou o transporte subirem, o ganho é anulado. Além disso, muitos produtores rurais enfrentam prejuízos com a queda de preços, o que pode levar à redução da oferta futura — e, por isso, a inflação pode voltar mais forte depois.
Por que a energia elétrica tem tanto impacto no IPCA?
A energia residencial representa cerca de 4% da cesta do IPCA, mas tem alta volatilidade. Em junho e julho, a alta de 3,04% em cada mês foi causada por reajustes tarifários e pela escassez hídrica nas hidrelétricas. Como o custo da energia afeta todos os setores — da indústria ao transporte —, seu impacto é multiplicado. Um aumento de 0,12 ponto percentual no IPCA só com a luz mostra como a infraestrutura energética é um gargalo crítico da economia brasileira.
O que o IBGE e o IFZ estão analisando além do IPCA?
O IBGE e o Instituto de Finanças do Brasil (IFZ) estão mapeando índices específicos como IPAD (alimentação no domicílio) e IPAF (alimentação fora de casa), além de rastrear cadeias produtivas como bovinocultura, avicultura e suinocultura desde 2007. Isso ajuda a entender por que certos alimentos oscilam mais que outros. Por exemplo, a produção de ovos caiu em 2024 por causa da gripe aviária, o que elevou os preços. Agora, com recuperação da produção, os preços caem. Esses dados são cruciais para políticas públicas mais precisas.
O que os consumidores podem fazer diante dessa inflação persistente?
Planejar compras, comparar preços e aproveitar promoções de alimentos sazonais é essencial. Evitar compras impulsivas e priorizar produtos da estação — como frutas e verduras — ajuda a economizar. Também é importante monitorar a conta de luz e buscar alternativas de eficiência energética. Mas, acima de tudo, a pressão por transparência e reformas estruturais — no setor energético, logístico e tributário — é o único caminho para mudar o cenário a longo prazo.
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